[CL] — humilité.

Dadas as apresentações, logo todos estavam compartilhando daquela mesma atmosfera do ramo a qual estamos tão acostumados. Por traz dos sorrisos aparentemente gentis e convidativos, cada um cultivava sua própria ambição. Fome maquiada em marfim, desejo por traz de cílios postiços e fumo.

Lavina conquistou seu espaço com facilidade. Sucinta, não disse mais do que deveria, não revelou nada além do que lhe convém. Confesso que eu estava ansioso; desejava intimamente conhecer mais a respeito dos seus negócios. Até então tudo que sei diz respeito às suas convicções pessoais, nada relacionado ao seu trabalho ou às suas filiações. Afinal, estaria ela representando alguma corporação de Detroya? Uma empresa menor? Ou carrega a fortuna de uma família nas costas? Pensando bem, somente agora eu me deparo com tantos questionamentos acerca dessa figura excêntrica que tanto me cativou. Ainda assim, sou obrigado a manter essas questões em segundo plano. Minha prioridade ali era a OVAZON labs, desde o começo.


A conversa na mesa do salão principal não durou muito. Os rostos envelhecidos e numerosos que povoavam aquela after party foram se distanciando ao passo que Agnessa e sua equipe nos presenteavam com novas propostas. Até mesmo o visual da Dama de Prata poderia ser considerado um colírio para os olhos enrugados que pareciam mais se multiplicar no salão principal. A presença de Agnessa rendeu muitos flashs, talvez sendo este o maior dos motivos para que nossa mudança de ambiente fosse acompanhada de tanto protocolo.

Enquanto eu conversava com um dos acompanhantes da equipe — Yuri Toropov, um grande acionista do núcleo empresarial de Magomedov, fomos sutilmente conduzidos por dois outros homens, provavelmente seguranças, para um encontro posterior com a equipe de Agnessa em outro ambiente. Este, um lugar privado. Confesso que isso massageou meu ego, uma vez que me fez sentir parte de um grupo seleto de empresários que frequentavam aquele coquetel.

O elevador nos presenteou com beleza e simplicidade. O reflexo na superfície espelhada das paredes de ferro me ajudou a ajeitar minhas mexas de cabelo e também o meu terno. Inclusive, só então naquele momento fui capaz de perceber a mensagem de Lavina, ao olhar de relance pro meu relógio. Troquei a bengala de mão, segurando-a com a esquerda, permitindo que com a mão direita eu pudesse trazer o relógio pra perto para que eu pudesse ler melhor o conteúdo da mensagem. Os seguranças, por sua vez, sequer trocaram olhares. Nem conosco, nem entre si.

Dedilhar uma resposta em meu relógio agora não era uma opção. Aguardei que deixássemos o elevador, para então redigir algo minimalista e objetivo. A caminhada no corredor de mesmo piso e elegância que o salão principal me rendeu tempo o suficiente. Isso é claro, até que nos deparássemos com tantas outras portas e, ainda de frente pra uma delas; o restante do grupo de Agnessa. Mensagem enviada, voltei minha atenção exclusivamente para o que acontecia ao nosso redor.

Mensagem:
— Admiro sua sagacidade, querida. Pois bem. Boris, o administrador da equipe de Agnessa, até então não apareceu. Ela está literalmente jogada aos lobos e sozinha. Talvez esse seja o melhor momento, hmm?

Porta de número 32, então.

— Primeiro as damas! — aleguei dando passagem para Lavina. Entrei logo em seguida.

Meus olhos foram direto no painel da bolsa de valores em tempo real. Incrível como as ações da Dlya Teplykh — empresa varejista de eletrodomésticos e aquecedores, supervalorizaram desde a chegada dos picos de frio em Magomedov. E quase que acompanhando numa mesma progressão, grandes ações da AISEN não deixavam de ocupar o topo da lista nem em tempos de crise. Um dia estarei na posse de grandes ações como essa, eu sei disso.

Agnessa logo ganhou destaque dentro da sala, pois sentou-se numa das extremidades da mesa que, por razões habituais, costuma ser o lugar ocupado pelos chefes administrativos. Aquilo me fez questionar com mais afinco se Boris realmente apareceria, ou para quais fins nós fomos realmente convidados?

— Perdão querida, mas eu preciso confessar que estou boquiaberto com sua postura esta noite. — referi-me a Agnessa, uma vez que quando a conheci ela não passava de uma mãe desajeitada e descompromissada, — Afinal, existe um motivo por traz de tanta formalidade e protocolo? — concluí, desta vez com um tom intrigado.

Escolhi um lugar à mesa que não estivesse ocupado por nenhum dos rostos enrugados de antes. Uma das cadeiras do lado esquerdo da mesa, não tão longe, mas a uma distância segura da cadeira que Agnessa ocupara. Não sentei, apenas me mantive de pé diante do meu assento, observando com mais detalhes a estrutura da sala em que estávamos. Procurei por restrições ao fumo, e por não encontrar nenhuma placa ou coisa do tipo, puxei minha bengala para acender mais um cigarro antes de voltar a falar.

— Ivar! Desse jeito você vai me deixar constrangida! — bradou a dama de prata, ainda que fosse num tom risonho, — Eu já te disse, naquela ocasião eu não estava em meu ambiente de trabalho. Agora é diferente, vamos nos concentrar então, certo? — e a julgar pela sua mais nova postura, cheguei a questionar se ela era mesmo tão ingênua quanto eu pensava.

— Muito bem. Sendo assim eu gostaria de saber, quem presidirá nossa pequena reunião de negócios? — desta vez troquei a acidez velada em belas palavras por uma abordagem objetiva e intimidadora. Dei um longo trago em meu cigarro e por fim me sentei a mesa, lançando um olhar de relance ao encontro de Agnessa.

— Óh! Você não sabia?! O Boris não se sente muito bem frequentando eventos como esse, então esta noite eu vou representá-lo em todos os seus compromissos. — a mulher não demorou em responder, concluindo assim as minhas suspeitas.

Esta noite, por incrível que pareça, Agnessa tornou-se a nossa melhor aposta.