[CP] Arco I - A Solução Perfeita

E assim como na última vez, ele veio...

Era impossível distinguir pois estavam em lugar algum, numa umbrosa luminescência, uma superfície macia e que gentilmente os acomodava. Ambos aparentemente despidos, não só de vestes como de lembranças, tanto que Ronald não conseguia ver a quem estava tocando, só sentia o corpo quente lentamente se aproximando, fitava os lábios do outro que demorava anos luz para chegar, ansiava pela sensação num misto de desejo e ao mesmo tempo uma inexplicável repulsa. E quando finalmente aqueles sinuosos lábios estavam a frente do seu, quase que ao mesmo tempo em que sussurrava o seu nome, sentiu junto as palavras uma dor intensa; notou se tratar de uma apunhalada no ventre, o sangue escorrendo ao passo em que o possível beijo acompanhado de um sorriso satisfatório se realizava, revelava na figura onírica uma genuína desilusão. "Traidor", foi o último sussurro que ouviu antes de por fim despertar.

O homem acordou assustado como de costume e não somente, também exalava de todo o seu corpo uma espécie de fumaça escura, percebia os vasos sanguíneos sobressalentes embaixo da pele e a íris dos olhos num tom avermelhado e chamativo. A perceptível expressão de fúria precisava ser contida antes que lhe tomasse conta completamente, ele mais do que ninguém conhecia das consequências caso um evento como esse viesse a acontecer. Levantou, apressou os passos até o frigobar e apanhou uma garrafa d'água ao qual vorazmente secou em poucos instantes. Decerto que comumente só aquilo não bastava, mas por ora foi o necessário.

— Aarrhh... Cortinas! — Exclamou enquanto se espreguiçava.

Por comando de voz a inteligência artificial do flet foi acionada, assim abria as cortinas vagarosamente ao passo em que também removia o efeito fumê escuro nos vidros da longa sequência horizontal de uma única janela em seu quarto. Era manhã, muito cedo inclusive, ele detestava levantar tão cedo assim, mas como em todas as outras vezes o fatídico pesadelo sempre o faz perder o sono. Ronald já está exausto de tentar entender isso, é como se seu cérebro não o permitisse pensar sobre o significado do sonho ou sequer rebuscar os detalhes... tudo fica turvo e se perde em questão de segundos após acordar. Dores fortes de cabeça, tontura e perca dos sentidos são algumas das consequências já descobertas para cada tentativa em desvendar esse enigma. Tudo o que fica são as sensações conflitantes de angústia e prazer.

Da janela podia ver o sol tímido entre os arranha-céus de Aus Etella e o amontoado de nuvens cheias sobre si. Ele seguiu para a cozinha, sentiu que precisava de um café forte, mas nem mesmo na máquina havia em estoque. Avaliando toda a sua dispensa, na verdade, tudo parecia estar escasso. O jeito foi dar continuidade à rotina sem um energético apropriado para lhe dar motivação depois de uma noite mal dormida. Depois de um café da manhã improvisado, uma série de exercícios físicos e um bom banho frio, deu uma última olhada em sua agenda num dispositivo holográfico, apanhou seus pertences, pôs os clássicos óculos escuros na cara e saiu do flet.

— Perfeito. — Pontuou observando que não havia nada programado para este dia, todavia, a intuição dizia o contrário pois, no seu 'prosaico destino' costuma sempre encontrar algo com o que se ocupar.