[CL] Negociando em Magomedov

— Bom dia, Sybila. Estamos no horário? — acordei bem humorado esta manhã. Dono de voz suave e um rosto angelical como de costume, eu já estava de pé; terno e gravata; sapatos de luxo, é claro; cachecol envolta do pescoço e passos apressados que me guiavam pelos corredores do sexto andar da empresa. Um ou outro funcionário não podia evitar de me cumprimentar, todos com sorrisos dos mais falsos e até assustadores. Olha, eu preciso confessar que o panorama de beleza dos funcionários da empresa está bem longe de ser algo atrativo. Mas isso é problema pra depois.

— Bom dia Srº Antonivich. Estamos atrasados em um minuto para a reunião. — respondeu a voz robotizada, no entanto quase tão humana e suavizada como a minha — Ao que consta em meus sistemas, 3 dos 5 investidores já estão a sua espera. Os outros dois ainda sem previsão de chegada, senhor. — a voz vinha do meu relógio presente no pulso direito. Folheado em ouro e ornando perfeitamente com a estética de um homem de negócios como eu, aquele era o acessório imprescindível em minha vida.

— 2, Sybila?! — rebati incrédulo, parando brevemente a minha caminhada — Não acredito! Como eles ousam desmerecer a minha ilustre presença dessa maneira?! — e durante o meu ataque de frustração, percebi um ou outro funcionário me olhando de longe, alguns atônitos, outros fomentando comentários e burburinhos a meu respeito. Argh. Como eles são insuportáveis. A sorte deles é o meu apreço pela bajulação. Estar, indiretamente, no centro das atenções de suas vidinhas medíocres é o que me alimenta. Isso me fez relaxar a tensão nos ombros, respirar fundo e ajeitar a gravata.

Voltei o meu olhar para frente, ao fundo daquele corredor haviam três salas; as duas primeiras direcionadas ao arquivamento de documentos da empresa, e a última adornada com uma porta extremamente luxuosa e tão espaçosa o quanto, presenteava uma visão de superioridade para qualquer um que se dirigisse a ela. Ali estava acontecendo a reunião que eu venho tentando agendar há semanas. Investidores dos mais variados ramos, ou pra ser mais específico e realista; o tipo de investidor que eu consegui. Não está sendo fácil chamar atenção com o pouco patrimônio que eu tenho no momento, óh céus!

Sem pestanejar, apressei o passo novamente até a porta. Respirei fundo uma última vez, e entrei.

— Bom dia senhores! Sejam bem-vindos à живой лед! — dono de uma voz aveludada e entonação impecável; tenho certeza de que rendi surpresa e admiração de todos ali presentes, — Espero não tê-los feito esperar, vocês mais do que qualquer um sabem as dificuldades da vida de um homem de negócios. — complementei enquanto caminhava ao redor da mesa central, esta por sua vez rodeada de 4 pessoas. 3 delas eram os investidores, a quarta era um de meus secretários. As demais 5 cadeiras da mesa retangular estavam vazias, sendo uma delas o meu assento.

Todos permaneceram em silêncio; olhos em mim. E eu adoro aquilo.

— Muito bem, tempo é dinheiro. Então vamos começar? — parei a caminhada rente à minha cadeira na mesa.

A tensão profissional que preencheu o ambiente só não me tirou o fôlego devido à minha criação. Nesse aspecto sou obrigado a agradecer, pois, aos cuidados de minha mãe e seus trejeitos empresariais mesmo nas situações mais cotidianas, basicamente eu fui criado pra isso. Os olhares, os detalhes na reação de cada um dos empresários presentes naquela sala, ansiedade no menor dos movimentos de suas mãos dedilhando planinhas ou mesmo tecendo comentários a respeito da minha desenvoltura em apresentação. Eu posso vislumbrar por traz dessas nuances o grande prêmio final. O prestígio; a aclamação!

Minha apresentação basicamente desenhou um cenário um tanto inesperado para a maioria dos empresários ali presentes. Tenho certeza de que numa primeira impressão eu pude desfazer o julgamento prévio que eles tinham da minha imagem atrelada à da empresa. Bem, convenhamos, a Zhivoy led(nome da empresa) não tem lá muita fama por aqui, apesar de estar diretamente relacionada ao ramo empresarial que mais lucra em Magomedov; a genética.

Precisão; para atingir interesses em comum mesmo na variedade de investidores ali presentes, com ramos empresariais distintos entre si.

Elegância; para sobrepor o amadorismo de empresas que estão apenas começando, e que, apesar de possivelmente cultivarem um bom produto; não possuem capacidade e elegância para conduzi-lo da melhor maneira.

e por fim, é claro, Ambição; característica essencial nas mãos de qualquer Magnata. É o rosto da empresa, e para eles EU precisava representar com fidelidade esse rosto.

— Nossa empresa não busca o melhor. Ela busca o além disso. Tal como vocês podem conferir em suas planilhas previamente distribuídas por nosso Primeiro Secretário, Sasha. — referi-me ao secretário que, durante toda a reunião, ficou a disposição de qualquer exigência ou necessidade dos empresários ali presentes. Um ou outro acabou solicitando água, ou documentação específica referente aos tópicos que apresentei sobre a empresa. No entanto, como o previsto, minha apresentação foi um sucesso.

— Realmente, a empresa faz valer o seu literal significado. "Gelo Vivo", estou certo? — indagou um dos investidores presentes. Ele segurava uma planilha com uma boa papelada, apesar de que em uma boa olhadela, não reconheci como dados contratuais nem nada do tipo. Intrigante.

— Sim, vejo que o senhor fez a sua própria pesquisa a respeito da nossa empresa. Está de acordo com nosso produto e também as nossas ambições? — meu objetivo era instigá-lo a explanar mais da sua opinião sobre o negócio. Quem sabe isso não induziria os demais a uma opinião favorável?

— Vou ser muito franco com você, Antonivich. — e aquelas palavras me pegaram de surpresa, pois não estamos acostumados com franqueza dentro desse negócio. — Sabemos que você é um Magnata em ascensão. Você tem potencial, sua apresentação em cima do produto e da empresa foram impecáveis, mas isso não excluí o fato de que você não tem ações suficientes dentro da própria empresa que está representando. Entende o que isso significa pra nós, como investidores? — completou ele.

E de fato, ele estava certo. Um Magnata como eu, atuando em prol de uma empresa onde sequer tenho ações majoritárias, significa uma aposta de grande risco para investidores que, mais tarde, não terão garantia nenhuma de uma remuneração minimamente rentável dentro de um investimento como esse. Basicamente, eu estava vendendo algo por um preço que não sou capaz de pagar.

— Você está certo. No entanto, se me permite a ousadia da pergunta, e também dirijo a mesma para todos os empresários dentro desta sala; — apoiei os meus cotovelos sob a mesa, fitando um a um dos investidores sentados em seus lugares com um olhar penetrante — Numa situação como a minha, se soubessem que podem conseguir muito mais do que já tem, vocês parariam? — questionei.

E aquilo rendeu o silêncio, precedido pelo fim da reunião.

Infelizmente, com o silêncio eu obtive mais do que uma resposta; a decepção. No entanto, não há espaço para tristeza e lamúrias dentro do meu ramo de trabalho. A reunião estava terminada, mas o joguete de comunicação e venda continua existindo mesmo por traz dos bastidores, coisa que aprendi desde muito cedo.

Os empresários começaram a recolher-se, guardando seus respectivos documentos e alguns informativos acerca da empresa. Dois deles sequer se importaram em pegar informações de contato ou qualquer outra solicitação. No entanto, aquele o qual me jogou verdades a respeito da minha condição financeira dentro da empresa foi o único a demonstrar minimamente algum interesse além dos negócios apresentados na reunião. Eu estava conversando com o Secretário a respeito dos próximos agendamentos com outros contatos da empresa, quando aquele homem veio até mim numa postura um tanto descontraída se em comparação com a sua presença durante a reunião.

— Como eu disse, você foi muito bem na apresentação. — dono de um tom de voz mais brando, porém, ainda viril, o investidor se aproximou e me deu um tapa amistoso no ombro.

— Olha.. eu não quero ser rude, mas eu não preciso de nenhum prêmio de consolação. Eu entendo, são só negócios. — respondi de imediato, olhando-o diretamente nos olhos. E por mais que houvesse um certo desprezo na minha maneira de rebatê-lo, como se de fato aquele fracasso de reunião não tivesse atingido o meu ego, nos olhos daquele empresário eu encontrei interesse.

— Aí está. Um verdadeiro Antonivich, hahah! — sua gargalhada veio acompanhada de uma tosse seca — Não me entenda mal. Eu sei quem você é e de onde você vem. — completou ele, ainda tossindo.

— Você sabe, o secretário sabe. Todos aqui sabem. — me afastei um pouco, afinal odeio gente tossindo perto de mim. E se eu pego alguma coisa?

— Eu quis dizer, eu sei da sua família. — continuou, dessa vez num tom mais sério.

O secretário, que estava ao meu lado, logo sussurrou no meu ouvido que aquele homem era Boris Azarov, um dos fiéis investidores da OVAZON lab.. Empresa muito famosa no ramo da genética pokémon; trabalha com sistema de breeding, egg moves, e afins. Tudo aquilo pra mim só tinha um significado; um investidor de peso. Pena que tossia tanto e era tão rude. Céus, os sacrifícios que eu tenho que fazer em prol da diplomacia.

— Certo. Então, se fez sua pesquisa, devo presumir que está me julgando pelo declínio de meu pai; ou você está do lado da minha mãe? — questionei, ressabiado.

— Nenhum dos dois. Apesar de que, no que diz respeito aos outros dois investidores ausentes, minhas fontes confirmaram que sua mãe vetou a presença deles nessa reunião sim. O que também não deve ser surpresa nenhuma, não é? São só negócios. — ele terminou sorrindo.

No fim das contas a informação dele foi extremamente útil. Tive a confirmação praticamente direta de que, sim, Nina Sergeyeva estava interferindo indiretamente em minhas negociações. Aquela mulher é uma jogadora de primeira! Como eu não previ isso antes?

— No entanto, no mundo dos negócios, nós sabemos exatamente em quê apostar. Nunca se esqueça disso, garoto. — e com isso o investidor se despediu, me dando um segundo tapa amistoso no ombro. E aquilo já estava pra me tirar do sério, se não fosse uma notificação que chegou praticamente no mesmo instante em meu relógio, me chamando a atenção e me fazendo deixar passar aquele ultraje de novo.

— O que foi, Sybila?! — indaguei, frustradíssimo.

No entanto, em resposta, recebi a visualização de uma mensagem com um contato anexado. Na mensagem, contemplei um presente da empresa OVAZON, que gentilmente me cedeu um de seus cupons de desconto em serviços e um convite indireto para uma reunião descontraída com a equipe de Boris.

Inacreditável.

O dia não passou nem da metade e aqui estou; escolhendo qual casaco de pele vou usar para ir ao encontro que, minutos atrás, consegui agendar com uma pessoa específica da equipe de Boris — o empresário da reunião de hoje cedo. E ao que tudo indica, preciso levar bem ao pé da letra o reunião descontraída redigido em seu convite informal. Numa breve pesquisa no Dexit para cargo de informação; descobri que a tal assessora da equipe de Boris estava simplesmente esquiando com os filhos e postando diversos stories um atrás do outro. Uma coitada, desesperada por atenção. Patético.

— Sybila, já conseguiu agendar o nosso transporte? Você sabe que não sou homem de chegar atrasado em nada! — bradei, enquanto dedilhava com a mão direita a gola de um casaco adornado quase que inteiramente por uma pelagem branca e exagerada. Aquele era um dos meus preferidos. Encomendei ainda quando os Beartic's estavam causando problemas à segurança de uma das instalações da AISEN. Muitos foram abatidos durante aquele pequeno surto, e eu; é claro; consegui negociar uma boa parte do produto sem enfrentar muita burocracia. Mas, óh, militantes das causas sociais, por favor não chorem! Eu posso assegurar que nenhum pokémon foi devidamente explorado para essa produção. Eles já estavam mortos, ok?

De qualquer forma, consegui uma breve troca de mensagens com a tal assessora, garantindo um breve encontro informal com ela às 14:15, antes que ela e o filho partissem do ambiente que estavam para uma trilha de aventuras com direito a guia e tudo. Eu sinceramente não sei se existe coisa mais brega.

— Está decidido. Este aqui é perfeito pra ocasião. — de um súbito, apanhei o casaco de Beartic enquanto com minha bengala já na outra mão, dei uma batidinha ao lado do closet. Este, por sua vez com reações inteligentes, foi fechando as portas de maneira suave e elegante, revelando em sua frente um espelho de mesmo tamanho; o suficiente para que eu pudesse me ver enquanto desfilava em meu traje. Estava impecável, desta vez, sem a necessidade de cachecol algum. Meu sobretudo em tons de um azul-marinho metalizado ornava perfeitamente em tom e contraste com meu casaco de Beartic branco como a neve.

Sybila, em poucos segundos, apitou em sinal da chegada de meu transporte. Apanhei minha carteira e credenciais, e deixei o quarto do apartamento.

Basicamente o meu apartamento não ficava em área nobre como o da nata da sociedade de Magomedov, ainda que, se comparado ao subúrbio, eu posso dizer que estou em uma área privilegiada. Não é tão longe do centro empresarial, como também tem acesso privilegiado às pistas de transporte aéreo, o que indiretamente acaba massageando meu ego e alimentando minha fama de pontualidade.

Assim como previsto, às 14:15 lá eu estava. O trânsito na metrópole não nos impediu em nada de ir ao encontro prometido. Quero dizer; se é que alguma vez eu já vi trânsito nesse lugar. Sou obrigado a parabenizar sempre a organização pública em Magomedov. Inclusive este é um dos grandes motivos pelos quais ainda não me mudei para Detroya. Não suporto o trânsito daquele lugar.

— Sybila, mantenha o carro à minha espera, eu não vou demorar. — registrei enquanto o estacionávamos.

Desci do carro no alto de uma região um pouco mais afastada da metrópole. Aqui, os montes encobertos em neve e também recheados da presença de pokémons selvagens costumam atrair muitos visitantes, principalmente àqueles que gostam de registrar momentos em lugares pitorescos e afins. Mas por favor, não se enganem. Quando eu digo região afastada, isso não implica em selvageria e falta de fiscalização. Pelo contrário, a segurança aqui é bem rígida; tal como indicam os postos de vigilância a cada 200m. E também a presença de drones contratados de empresas de segurança privada. É difícil não estar sendo observado por aqui.

— Olhaaaaa mamãe! A gente também pode tirar foto com ele?! — berrou a criança, saindo às pressas de perto da mãe e apontando na minha direção. Foi constrangedor.

— O-Q? Ahahahaha! Não, filho. Esse é só um amigo do trabalho da mamãe, hahaha. — desconcertada, a assessora não sabia sequer como reagir em minha presença, então só me cumprimentou como pôde, uma vez que para piorar a situação; ela ainda estava derrubada na neve e amontoada daqueles pokemonzinhos selvagens da região.



— Boa tarde querida! Ou devo chama-la de a mais nova entusiasta dos Sandshrew's da região? — apresentei-me em tom descontraído, ignorando quase que completamente a aproximação do filho dela. Este permaneceu ali parado, olhando meu casaco como se fosse uma alucinação. Eu entendo, é de tirar o fôlego não é?

— Ah! Me perdoe! Eu não consigo resistir! Toda vez que venho aqui com meus filhos, nós acabamos assim. — e apesar da situação embaraçosa para dois empresários, eu não percebi nenhuma afronta ou deboche em sua maneira de se expressar — As vezes é bom sair do personagem, você não acha?! Hahaha! — e terminou rindo.

Aquilo me fez engolir a seco todo armamento com o qual vim preparado. Acredito eu que, nessa batalha, ela não será uma inimiga.

O momento de fraqueza foi ínfimo. Não demorei para assimilar que, sua postura sonsa e inocente poderiam também não passar de um disfarce ou mera distração para me testar. E se não fosse, que mal haveria em dar-lhe o benefício da dúvida? Ela não passa de uma assessora, e nossa relação vai se manter apenas no profissional. Eu só preciso ser cordial, e o tempo fará o restante, hmm?

— Você está mais do que certa. — dei de ombros enquanto relaxava um pouco, — Inclusive, esta parece a ocasião perfeita para algo que não faço há tempos. — e ao passo que disse isso, retirei uma pokebola de um dos bolsos internos do casaco, revelando parcialmente o meu único companheiro pokémon.

— UAAAAAAAAHH! VOCÊS VÃO BATALHAR?! — berrou a criança uma segunda vez. No susto eu quase derrubei minha pokebola, mas consegui manter as aparências.

— Não, tolinho. Sua mãe não é a minha adversária aqui. Aquele indivíduo ali, que é. — e chamei atenção do menino para um dos Sandshrew's que emergia da neve, uma vez atolado em suas brincadeiras com seus amigos de espécie.

Rapidamente a mulher, vulgo Agnessa Ninochka, levantou-se num súbito e foi limpando a neve enquanto corria em passinhos apressados pra perto de nós dois; eu e a criança. Os Sandshrew's por sua vez, tomaram um pouco de distância, assustados pela movimentação repentina de sua antes melhor amiga. Só um ficou pra traz, este aquele que escolhi como meu adversário. O coitado estava enterradinho parcialmente na neve, então pouco entendeu do que se passava.

— Yuvelir, minha querida, pode me dar assistência nessa batalha? — aleguei graciosamente, enquanto liberava o meu pokémon de dentro da sua pokebola. Detalhe para o movimento; não foi um lançamento, não foi nada grotesco ou agitado demais. Um simples balançar de meus pulsos; seguido de um clique, e por fim a luz vermelha. Daí surgiu o felino, de pelo tão sedoso e bem cuidado como a própria neve. Seus olhos esverdeados piscaram em sonolência, vislumbrando o que acontecia ao redor, e por fim repousando de encontro aos meus, como se me repreendesse por trazê-la a um lugar tão... incivilizado.

— Por favor, não me olhe assim. Temos um pokémon para enfrentar, e a batalha não será longa. — tentei amenizar o seu desgosto, ainda que sem sucesso.

— Nossa, até com ela você pretende negociar? — questionou Agnessa, segurando um riso abafado por baixo das luvas grossas que usava nas mãos, cobrindo sua boca.

Aquilo foi ultrajante!

— Perdão?! — lancei-lhe um olhar ofendido, rendendo um silêncio quase tão constrangedor quanto a indiferença de Yuvelir em relação à batalhas. Ou isso, pelo menos, até a criança começar outra gritaria incentivando a batalha e apanhando um de seus aparelhos pra filmar o que estava acontecendo. Pelo que eu entendi ele estava mandando isso pros seguidores dele, alguma coisa sobre um canal infantil ou sei lá o que. No entanto, isso até que me deu uma ideia.

— Yuvelir querida, peço que nos mostre a sua melhor performance. Estaremos filmando, e você precisa ser a única sob os holofotes, ok? — desta vez utilizei armamento pesado. Nada como inflar o ego de uma personalidade forte e que gosta de ser bajulada. Os olhos esverdeados da felina brilharam ao passo que minhas palavras lhe atingiram. Ela virou-se na direção do Sandshrew enterrado na neve e espreitou o olhar como que delimitando-o como sua presa. Naquele momento solicitei configurações para que Sybila começasse a gravação.

— Surpreenda-o com seu Fake Out, querida! — coordenei, enquanto repousava as duas mãos sob minha bengala dourada, rente a minha cintura.

E com o comando dado, a Persian dispôs-se a correr numa velocidade incrível. Sua desenvoltura sempre foi algo encantador. Não me entendam mal, apesar da animosidade por traz daquele tipo de prática, havia também traços de elegância e sutileza. A maneira com que suas patas sequer afundavam completamente na neve; a sua velocidade, o seu desempenho. Foi tudo tão belo e rápido que o Sandshrew sequer teve como reagir. Foi atingido em cheio.

— Muito bem, acredito que um Pay Day deve resolver, você não acha? — o comando foi despretensioso.

Eu não queria subestimar nosso oponente, apesar de não considerá-lo de fato como ameaça. O bichinho recentemente atingido pela patada extremamente veloz da Persian, ficou tão assustado que sequer conseguiu se mover. Mas também, com o impacto do ataque anterior, ele conseguiu se desatolar da neve e saiu meio que rolando um pouco para traz. Daí a Persian precisou se reposicionar um pouco ao lado direito, lançando-lhe; precedido de um brilho na gema de sua testa; um raio luminoso que estourou na cabeça do Sandshrew, representando moedas fictícias. Um deleite!

— Óh? Parece que os Sandshrew's da região são mesmo tudo que dizem. Mesmo depois de apanhar tanto ele ainda está de pé. — em tom aveludado, tudo que eu disser durante esta batalha tem o intuito de aparecer na gravação e render um quê de elegância e apresentação para o que estou planejando.

Enquanto isso o bichinho chacoalhou o rosto ainda um pouco ferido e tonto, tentando retomar o equilíbrio. Seus olhinhos buscaram ao redor, temeroso e assustado. Ele sabia que a Persian estava por perto, mas não tinha experiência nem habilidade para identificar onde. Então, na melhor das hipóteses, o que ele pode fazer pra reagir foi se encolher num formato de bola, utilizando um de seus movimentos que Sybila identificou como um Defense Curl. Aquilo era até interessante pra espécie dele. Defender-se a todo custo e fugir quando tiver oportunidade?

— Uma pena que você está diante de uma predadora, querido. — engatei, enquanto sutilmente preparava o comando final, — Yuvelir, o prêmio é seu. Finalize-o com seu Play Rough. — sendo assim; o fim daquele espetáculo.

E como previsto, mesmo em sua atitude defensiva, o pequeno Sandshrew foi incapaz de resistir ao bote fatal de minha Persian. Sua desenvoltura em batalha e sua velocidade de ataque, em comparação ao inofensivo pokémon de gelo foram imbatíveis. Quando o bichinho menos esperava, a Persian disparou, sinuosamente de um dos flancos laterais, finalizando-o com um arranhão fatal. Aquilo desfez a sua manobra defensiva imediatamente e deixou-o fora de combate; desmaiado ali na neve.

E enquanto a criança berrava em frenesi ao meu lado, precisei de muita paciência pra apanhar uma de minhas pokebolas do bolso extra, e lançar na direção do pokémon abatido, sem perder a compostura, é claro.

A pokebola balançou uma, duas.. e na terceira vez, brilhou em um verde pobre e descabido se comparado aos olhos de minha Persian. Dei de ombros, afinal, a captura já era algo esperado.

— AAAAAAAAAAAAAAAAAA! QUE IRADOOO! — a criança surtou de vez, pulando e tropeçando na neve, enquanto tentava chamar atenção pro vídeo infame que estava fazendo pro seu canal de transmissão. Por sorte, graças ao auxílio profissional do sistema de Sybila, posso erradicar os áudios histéricos da criança de meu projeto, e enviar para os registros de meu Dexit somente o vídeo da batalha, sob pretexto de um breve incentivo a respeito daquela espécie pokémon na região. A cargo de quem quiser saber; eu sou um executivo, mas isso não excluí o meu lado treinador pokémon, coisa que talvez acrescente na minha imagem perante o futuro da liga pokémon.

— Parabéns, minha querida. Você foi deslumbrante, como esperado. — caminhei em passos leves, passando pela Persian depois de dar-lhe um afago ao pé da nuca. Meus passos então me levaram até a pokebola do recém capturado Sandshrew, onde o apanhei; limpei brevemente a esfera com um lenço descartável e por fim guardei-o em meu bolso. O lenço foi descartado ali mesmo. Os guardas que lutem.

— Ah! Energizante, você não acha? — desta vez dirigi minhas palavras para Agnessa, que aguardava de pé ao lado do filho. A mulher deixou escapar um sorriso relaxado e até orgulhoso em função do que aconteceu ali.

— Boris estava certo quando falou de você. — comentou ela, inclinando a cabeça com certa curiosidade no olhar.

— O que quer dizer com isso? — retribuí em sintonia; curioso e sagaz.

— Ele disse; nós nunca sabemos o que esperar de um Antonivich, pois eles se reinventam como ninguém. — contrapôs ela.

Ao término, nossa conversa se resumiu a uma breve troca de contatos, e também uma quebra informal dentro da relação empresarial que nos aproximara. Ela me apresentou foto dos demais filhos, comentou a respeito de sua ascensão na empresa até atingir o posto de assessora pessoal da equipe do Boris, e também falou sobre o seu engajamento nas causas sociais; o que a partir daí eu ignorei. Vocês sabem, eu não suporto esse assunto.

No entanto, não posso dizer que foi uma viagem perdida. Agora, já no carro da empresa rumo ao meu apartamento, fiz uma breve avaliação no Dexit pra ver os lucros que a postagem de batalha contra os Sandshrews renderam; e para a minha surpresa, entre um e outro post, encontrei também uma menção honrosa da própria Agnessa ao que ela chamou de "Um dia especial com família e amigos". Em seu post, aquela mesma foto dela derrubada na neve, amontoada de Sandshrews e com seu filho. Eu também estava marcado na foto, apesar de não aparecer. E os comentários do filho dela a respeito da minha batalha, chamavam bastante atenção no post da mãe. Aquilo foi de certa forma embaraçoso, apesar de me render um sorriso no rosto.

— O que nós empresários não somos capaz de fazer em função do negócio, hmm? — comentei retoricamente.

Meus olhos pesaram além da janela, enquanto o carro da empresa avançava suavemente rumo ao complexo residencial da metrópole.